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Associada Suzane Maria participou da “Oficina Literária - Crônicas” da Flique com a publicação de sua crônica

Leia a crônica "Abrigo"
16 de outubro de 2020

A associada Suzane Maria Carvalho do Prado, Promotora de Justiça da Comarca de Ponta Grossa, participou da “Oficina Literária - Crônicas”, realizada pela Feira Literária Flique, um projeto on-line de escritores que costumam publicar na grande e democrática editora que é o Facebook. A Promotora teve sua crônica “Abrigo” publicada nas redes da Flique e foi muito elogiada, com mais de 50 comentários sobre o texto.

Falando sobre a passagem por todos os locais que podemos chamar de lar, “Abrigo” apresenta o desenrolar da vida de uma mulher. Confira abaixo e boa leitura!

ABRIGO

Suzane Maria

Do meu primeiro abrigo nada lembro. Foi-me dado e tinha a exata medida para me caber enquanto preciso. Lá fiquei por trinta e sete semanas. Depois, o grande berço herdado, o qual, no fim de minha estadia de quase quatro anos, já não comportava mais nem meu tamanho nem a ousadia em querer conquistar mais espaço.

Mudaram-me para o quarto dos fundos, dividido com um irmão. Tinha a cama, uma parte do armário, a mesa de estudos só para mim e duas prateleiras onde guardava as minhas coisas, minhas conquistas, um troféu, uma fotografia roubada, a caixa onde estavam os bilhetes muito particulares escritos com sentimentos que só se conhece jovem. Ali fiquei quase quatorze anos. Mudei-me para o campus, onde moraria nos curtos cinco anos de faculdade. Fiquei num quarto no fim do corredor, onde acordava sem dar de cara com ninguém subindo a escada; era minha pequena ermida. Ficou pouco tempo como tal, logo passou a ser frequentada por quem eu queria e gostava, e foi-se enchendo de pecadinhos sob medida cometidos em cumplicidade.

O par destes feitos, finda a escola, chamou-me para morarmos juntos. Tinha o apartamento já montado, quarto-e-sala, se muito quarenta metros quadrados, com o básico material para viver e um exagero de planos para concretizar.

Nem três anos se passaram para que se adicionasse mais vida por ali. Partimos para uma escolha conjunta. Uma casa com pátio, jardim e quartos bastantes para quem ia morar lá e para quem chegaria em breve. Foi bem uma década naquela casinha, que era branca, foi azul, por um tempo verde e a deixamos sépia, como pedia o que sugere lembrança.

Já éramos em quatro; a necessidade de escola maior para as crianças, e subimos na vida. Para o décimo segundo andar de um prédio bem localizado e seguro com, além de nosso espaço privativo, áreas comuns para topar com vizinhos e cumprir com as formalidades sociais.

As crianças desapareceram neste endereço e, de repente, percebemos ter adultos conosco, quando fomos levar o mais velho ao campus, para conhecer seu quarto. Dali a dois anos, levamos o outro. Era um efeito sanfona naquele apartamento, cinco dias da semana meio vazio, meio quieto, à meia-luz, e nos outros dois, gordo de fala, de gente, de alegria.

Menos de uma década e a população local foi enxugando, indo para fora especializar-se, encontrando parceiro para dividir a vida. Ainda teimamos em ficar por ali, vivendo como se os pivetes fossem voltar amanhã. Doce ilusão, nem eles voltaram, nem o par ficou.

Me vi, em 150 metros quadrados de histórias e expectativas que me impediam de seguir a vida. Resolvi voltar para uma casa, uma escolha feita, pela primeira e única vez por mim e para mim. E ali fiquei, plantei, cuidei, recebi pessoas, saí e voltei.

Do nada, uma manhã, forte dor no peito impossibilitou-me levantar. Sorte! Era sexta, dia do almoço na confraria e sentiram minha falta. Levaram-me; um quarto asséptico, única luz, pessoas me rodeando. Nem terror, nem paz. Agora, aqui, nesta caixa de um metro e noventa por setenta centímetros, presente dos amigos, tenho noção do que foi meu corpo, da necessidade (ainda) eterna de um abrigo. Espero merecer um belo túmulo. Detesto a ideia de que vou virar nada mais que pó, a ser jogado onde os outros pensam que eu gostaria de ficar. Eu quero um abraço.

Conheça a revista online e confira todo o material que já foi publicado:

Veja também a crônica completa aqui

 

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